Os mestres no assunto dizem que o Castelo de Praga existe há mais de mil anos.
Em um lugar com tanto tempo de vida, é normal que um número gigantesco de histórias aconteçam, assim como é normal que muitas lendas sejam criadas e passadas adiante.
Entre as histórias mais recentes, uma é praticamente um conto de fadas do rock, envolve a banda mais famosa do mundo e é contada para quase todos os 6 milhões de turistas que visitam a Praga a cada ano.
O grande responsável por ela é Václav Havel, o falecido ex-presidente do país e eterno maior responsável pela queda do comunismo na República Tcheca, além de guru da transição dos tchecos de um regime ditatorial para a democracia.

Havel ovacionado pelo público, no pátio do Castelo de Praga, em 1990
Desde os tempos em que era apenas um escritor, Havel (praticamente contemporâneo de Mick, Keith, Ron e Charlie) sempre foi fã dos Stones, mesmo com as dificuldades que os comunistas russos colocavam para que a banda não entrasse nos seus domínios – “Black and Blue’’, por exemplo, foi o único álbum stoniano vendido legalmente na antiga Tchecoslováquia, antes de 1989.
Logo depois do desmoronamento da Cortina de Ferro, Havel – àquela altura já um ativista político famoso internacionalmente – foi chamado para assumir a bronca de governar o seu país e começou a traçar planos para dar alegria ao seu povo e mudar a imagem da sua pequena nação aos olhos do mundo.
No meio de 1990, sabendo que os Stones estavam na Europa fazendo a turnê Urban Jungle e ciente de que um show deles em Praga ajudaria nos seus planos, Havel resolveu telefonar para a banda, convidando a trupe para tocar na cidade.
Se aceitassem, os Rolling Stones seriam a primeira mega-atração roqueira no país depois da morte do comunismo soviético.
Como o último show deles no leste da Europa havia sido 30 anos antes, em Varsóvia, na Polônia, os Stones estavam loucos para se apresentar nos antigos países comunistas e não apenas aceitaram o convite de Havel como não cobraram nem um centavo do governo. Foram tocar de graça.
O slogan do show: “Tanks are rolling out, the Stones are rolling in” (um trocadilho com o nome da banda, dizendo “Os tanques estão saindo, os Stones estão entrando”).

Versões digitalizadas das reportagens da revista Rolling Stone e do The New York Times sobre o show histórico em Praga
Apesar da banda não cobrar cachê, os ingressos não foram gratuitos. Cada um dos 107 mil tchecos que encararam a noite de chuva forte para entrar no estádio Strahov (com Havel entre eles, é óbvio) pagou o equivalente a 10 dólares para ver um show de duas horas e 20 minutos, com renda totalmente doada a uma instituição que cuidava de crianças com necessidades especiais.
Aquela primeira visita tcheca de Mick Jagger e sua turma já era suficientemente histórica, mas a amizade que nasceu entre o presidente e a banda tornou tudo ainda maior.

Havel com os Stones, no Castelo de Praga, em foto de Tomki Němec, exibida numa exposição em homenagem ao ex-presidente
É aqui que eu chego na história citada no início deste post.
Cinco anos depois do primeiro show, os Stones voltaram a Praga com a turnê Voodoo Lounge, no mesmo estádio, agora para 120 mil fãs.
A banda e Havel se encontraram após o espetáculo e, no meio do papo e das cervejas, um dos músicos falou para o presidente que o Castelo de Praga era muito lindo e deveria ser decentemente iluminado à noite, para que as pessoas pudessem ver aquela maravilha o tempo todo.
Havel disse que não tinha como pensar num assunto tão raso naquele momento, afinal o país era pobre e ainda estava engatinhando na democracia e no capitalismo. Não faria sentido gastar dinheiro para iluminar o castelo. E a cervejada seguiu adiante.
Então, na noite seguinte, em 6 de agosto de 1995, Havel recebeu os Stones na presidência mais uma vez e ganhou deles um pequeno controle remoto branco.
Sem saber direito para que servia aquilo, ele apertou o único botão e viu o castelo de todos os tchecos se iluminando no meio da noite escura de verão, do mesmo jeito maravilhoso que vemos até hoje.

O resultado ficou bom, não?
A banda havia bancado a instalação de toda a parafernália de iluminação e dado de presente para Praga.
Os tanques haviam definitivamente saído. E os Stones haviam definitivamente entrado para a história da cidade e do castelo.
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Importante: conto essa história mais ou menos do jeito que muitos turistas escutam na capital tcheca, mas sinto informar que a verdade é nebulosa (para dizer o mínimo).
Nas várias pesquisas que fiz sobre o assunto antes de escrever este texto, não encontrei registros confiáveis (em inglês) que afirmassem que os Stones pagaram pela iluminação externa de todo o castelo.
Achei apenas registros de que eles pagaram pela iluminação interna de 4 salões do prédio e que não foi nada assim muito de surpresa, mas na verdade bem planejado – o que faz todo sentido.
Pedi ajuda a amigos tchecos, atrás de notícias nos jornais locais, mas o resultado foi o mesmo: nada de iluminação externa, apenas em salões.
Ao que parece, os tanque saíram, os Stones entraram e deixaram mais uma grande lenda para o Castelo de Praga.
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